O cinema brasileiro viveu um momento histórico em 2025 com a vitória inédita do filme Ainda Estou Aqui no Oscar, dirigido por Walter Salles. Mas é impossível celebrar essa conquista sem refletir profundamente sobre outro grande filme do mesmo diretor, Central do Brasil, lançado em 1998. Apesar da merecida comemoração pelo reconhecimento internacional recente, a comparação crítica dos dois filmes revela que, após 25 anos, Central do Brasil continua sendo muito mais relevante, impactante e artisticamente superior à produção mais recente.
Central do Brasil chegou aos cinemas em um momento em que o Brasil buscava reconstruir sua identidade cinematográfica. A história da professora aposentada Dora, interpretada brilhantemente por Fernanda Montenegro, tocou o mundo com uma sensibilidade única. Dora escreve cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, mas sua vida ganha novo sentido ao decidir ajudar Josué, um menino órfão, a encontrar seu pai no sertão nordestino.
O impacto da narrativa de Central do Brasil vai muito além da sua premissa simples. Através de Dora e Josué, Walter Salles conseguiu capturar a alma do país, marcada por desigualdades sociais, abandono familiar e a busca incessante por identidade e pertencimento. O filme arrecadou diversos prêmios internacionais, incluindo o Urso de Ouro em Berlim, o Globo de Ouro e indicações ao Oscar, inclusive tornando Fernanda Montenegro a primeira atriz latino-americana indicada ao prêmio.
Já o filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar 2025 na categoria Melhor Filme Internacional e indicado na categoria principal, foi recebido com grande entusiasmo no Brasil. O longa, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, retrata Eunice Paiva, vivida por Fernanda Torres, uma mulher que se torna ativista após o desaparecimento do marido durante a ditadura militar. Apesar de trazer um importante retrato histórico sobre o período da ditadura no Brasil, a narrativa de Ainda Estou Aqui carece da universalidade emocional e da profundidade humana vistas em Central do Brasil.
O destaque principal fica por conta das atuações de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, mas mesmo assim, o filme parece depender excessivamente do contexto político para sustentar seu impacto emocional. Embora o tema seja extremamente relevante para a história brasileira recente, falta ao filme a força de uma conexão mais humana e íntima, como aquela apresentada na relação entre Dora e Josué.
A grande força de Central do Brasil reside exatamente na simplicidade poderosa de sua história. A jornada emocional da professora Dora e do garoto Josué não precisa de contextos políticos ou históricos explícitos para causar impacto. É uma história atemporal, sobre o redescobrimento da humanidade em meio ao caos urbano e ao desamparo familiar.
Em contrapartida, Ainda Estou Aqui explora um drama que depende fortemente do contexto histórico brasileiro. Embora isso não diminua a importância do tema, limita sua capacidade de dialogar universalmente com diferentes culturas e públicos. A jornada de Eunice Paiva, apesar de nobre e significativa, acaba sendo um relato histórico dramático que muitas vezes soa acadêmico, especialmente quando comparado ao realismo emocional de Central do Brasil.
Ambos os filmes têm direção impecável de Walter Salles, reconhecido internacionalmente por sua habilidade técnica e narrativa. Contudo, a fotografia de Walter Carvalho em Central do Brasil merece destaque especial, ao traduzir perfeitamente o sentimento de desesperança e beleza coexistindo no Brasil profundo. A trilha sonora de Antonio Alves Pinto e Jaques Morelenbaum complementa magistralmente a carga emocional do filme.
Ainda Estou Aqui, por outro lado, apesar de ser tecnicamente bem executado, não apresenta inovações significativas na linguagem cinematográfica. É correto, emocionante em partes, mas pouco ousado. O roteiro premiado em Veneza é sólido, porém não oferece uma experiência artística tão marcante quanto o filme de 1998.
Central do Brasil, mesmo tendo sido produzido em um contexto pós-ditadura e de dificuldades econômicas nos anos 90, optou por não explorar diretamente questões políticas. Isso permitiu que sua narrativa tivesse um alcance mais amplo e atemporal. Enquanto isso, Ainda Estou Aqui centra-se explicitamente nas feridas da ditadura militar. Embora necessário, o filme depende da relevância política e perde um pouco do caráter universal e atemporal que consagrou Central do Brasil.
A ausência de um tema político mais evidente em Central do Brasil, que poderia ter custado ao filme o Oscar na época, paradoxalmente é o que garante sua longevidade e universalidade, tocando corações independente da nacionalidade ou época.
Após um detalhado paralelo entre esses dois grandes filmes do cinema brasileiro, fica evidente que Central do Brasil ainda é superior em praticamente todos os quesitos relevantes para o cinema: narrativa, conexão emocional, atuação e legado artístico.
A conquista histórica de Ainda Estou Aqui deve ser celebrada, pois representa um avanço importante para o cinema brasileiro, mas não substitui nem supera o impacto universal que Central do Brasil mantém até hoje. O filme de Walter Salles, protagonizado por Fernanda Montenegro, permanece não apenas como um dos melhores filmes brasileiros já produzidos, mas como um clássico atemporal que continua a emocionar e inspirar plateias mundo afora.
Assim, mesmo após a conquista inédita do Oscar pelo Brasil, Central do Brasil segue sendo o grande marco cinematográfico do país, demonstrando que o verdadeiro legado artístico transcende premiações.
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Os dois filmes brasileiros dirigidos por Walter Salles, “Central do Brasil” (1998) e “Ainda Estou Aqui” (2024), apresentam protagonistas que enfrentam desafios profundamente humanos, ainda que em contextos bastante distintos. Ao analisar as trajetórias dessas personagens, é possível perceber tanto diferenças fundamentais quanto algumas semelhanças relevantes nos conflitos enfrentados.
Em “Central do Brasil”, a professora aposentada Dora, interpretada por Fernanda Montenegro, passa por um processo profundo de transformação pessoal e redenção. O seu desafio inicial é existencial: ela precisa redescobrir sua humanidade. Dora é retratada como uma mulher amargurada, insensível e desapegada, que escreve cartas para analfabetos, mas não as envia, explorando de certa forma a ingenuidade das pessoas que confiam nela.
O encontro com Josué (Vinícius de Oliveira) muda radicalmente a trajetória de Dora. Após a morte abrupta da mãe do menino, a professora se vê responsável por ajudá-lo a encontrar o pai desaparecido no interior do Nordeste. Neste ponto, o desafio central da personagem se torna duplo: além da missão externa de localizar a família do garoto, Dora precisa enfrentar uma jornada interior, lutando contra seu egoísmo e descrença na vida. O filme, portanto, retrata uma viagem física e emocional, onde Dora lentamente abre espaço em sua vida para a empatia e a compaixão.
Josué, por sua vez, enfrenta um desafio de sobrevivência e identidade. Órfão e abandonado, ele vive uma experiência precoce de abandono, desamparo e vulnerabilidade social. Sua grande jornada é a busca pelo pai que nunca conheceu – uma metáfora clara para a busca pela própria identidade e pertencimento.
Já em “Ainda Estou Aqui”, o grande desafio da protagonista Eunice Paiva, vivida intensamente por Fernanda Torres, é marcado pela dor, luto e luta por justiça. Após o desaparecimento e assassinato do marido Rubens Paiva, deputado cassado pela ditadura militar, Eunice precisa encarar a responsabilidade de criar cinco filhos sozinha, enquanto transforma sua dor em ação política.
Diferentemente de Dora, que começa a história emocionalmente distante e apática, Eunice é lançada em uma situação dramática e já cheia de carga emocional desde o início da trama. Seu principal desafio é, então, conciliar sua dor pessoal com uma luta coletiva por justiça e pelos Direitos Humanos, assumindo protagonismo em um contexto político hostil.
A grande batalha emocional da personagem está ligada à perda irreparável do companheiro e à reconstrução de sua própria identidade como mulher e ativista. A trajetória de Eunice é um retrato da coragem necessária para enfrentar não apenas as dores pessoais, mas também os conflitos externos, representados pela ditadura e suas consequências traumáticas para toda uma geração.
Embora sejam filmes muito diferentes em tom e contexto histórico, os personagens compartilham alguns desafios universais: • Perda e superação: Dora, Josué e Eunice lidam com perdas significativas. Dora perdeu há tempos sua fé nas pessoas, Josué perdeu a mãe e Eunice o marido. Todos precisam enfrentar o luto e seguir em frente. • Jornada pela identidade: Cada personagem busca algo maior, seja o pai desconhecido, o resgate da própria humanidade ou justiça para o marido desaparecido. A procura por essas respostas molda profundamente quem são. • Resiliência diante das adversidades: Em ambos os filmes, os personagens são levados ao limite por circunstâncias extremas – abandono, pobreza, violência política e emocional. Cada um deles mostra uma impressionante capacidade de adaptação e sobrevivência.
Apesar dessas semelhanças, há diferenças essenciais nos desafios dos personagens que revelam as razões pelas quais “Central do Brasil” consegue atingir uma universalidade mais profunda do que “Ainda Estou Aqui”: • Universalidade versus contexto histórico específico: Os desafios enfrentados por Dora e Josué são mais universais. A busca por pertencimento e redenção emocional transcende o contexto brasileiro, permitindo identificação global. Já Eunice Paiva vive um drama profundamente ligado ao contexto histórico da ditadura militar brasileira, limitando a amplitude emocional da história, embora não sua importância histórica. • Desenvolvimento dos personagens: O arco de Dora, de uma mulher cínica e egoísta a alguém compassivo, é mais claro, mais bem delineado e emocionalmente satisfatório do que o de Eunice, que já começa como uma figura heroica e resiliente. Em termos dramáticos, o desafio de Dora e Josué gera mais empatia e conexão emocional do público. • Força dramática e narrativa: Os desafios em “Central do Brasil” são tratados com uma simplicidade poética, fazendo com que cada pequeno obstáculo tenha grande peso emocional. Em “Ainda Estou Aqui”, o peso dramático está muito associado ao contexto político e à luta histórica por justiça, diminuindo a força das relações pessoais dentro da narrativa.
Mesmo reconhecendo a importância histórica de “Ainda Estou Aqui”, especialmente pela conquista do Oscar, ao analisar cuidadosamente os desafios enfrentados pelos personagens principais, fica evidente que os conflitos apresentados em “Central do Brasil” são mais ricos, mais humanos e mais emocionalmente convincentes.
A jornada emocional vivida por Dora e Josué permanece universal e atemporal justamente por abordar sentimentos e conflitos inerentes à condição humana, independente de contexto histórico. Por outro lado, o desafio de Eunice Paiva, embora nobre e de grande relevância histórica, limita-se a um período e contexto específicos, afetando negativamente sua ressonância emocional mais ampla.
Dessa forma, ao refletir criticamente sobre esses filmes emblemáticos, fica claro que, mesmo após 25 anos e a conquista inédita do Oscar por outro filme de Walter Salles, “Central do Brasil” continua sendo a obra cinematográfica brasileira mais significativa em termos narrativos, dramáticos e humanos, permanecendo uma referência insuperável na história do cinema nacional.
Veja uma análise crítica sobre os desafios dos personagens de “Central do Brasil” e “Ainda Estou Aqui”, e entenda por que o clássico de 1998 continua ...
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